Venci quando desci do Salto

Salto alto



Poc, poc, poc era o som dos meus sapatos no corredor do escritório logo cedo.

As pessoas me olhavam como se eu fosse uma daquelas mãos de ferro de coração gelado, a maioria morria de medo de mim, acho até que devia ter algum boato a boca pequena falando de coisas que achavam que eu tinha feito.

Na verdade não poderia culpá-los, há pouco mais de um ano demiti 12 funcionários em 3 meses e eu não demonstrei nenhum abalo em ser portadora das más notícias, acho que no fundo, pensavam que eu nem tinha um coração pulsando no peito.

Porém havia uma coisa que ninguém sabia de mim, eu tinha um coração e eu odiava salto alto!

Eu sonhei a vida inteira em ser artista plástica, usar tênis, viajar por lugares bonitos e pintar paisagens pitorescas, mas esse sonho foi tirado de mim aos 16  anos quando minha mãe me disse que isso era uma "idiotice" que deveria arrumar um emprego "de verdade" que pintar era profissão de vagabundo e eu lembro de ter chorado até dormir aquela noite com o coração partido por ter meus sonhos despedaçados.

Quando prestei vestibular fiz faculdade de economia e logo no primeiro ano consegui um estágio, me dediquei bastante e fui crescendo na empresa até ser a gerente da corretora que trabalhava, troquei aos poucos os sapatos confortáveis por esses saltos dolorosos, vesti uma máscara de expressão inabalável e me tornei a "dama coração gelado". 

Há um ano quando me deram a lista dos funcionários a serem demitidos meu coração parou, eram muitos e eu teria que chamar um a um e dizer que ficariam desempregados, em meio a crise que se desenvolvia. Alguns ficaram com raiva, explodiram em ofensas, outros ficaram calados, chocados demais para reagir e outros choraram e imploraram para que reconsiderasse tendo como resposta  meu rosto de desdém e um "Desculpe, mas isso não está mais em vias de ser discutido, por favor, pegue suas coisas e vá. Ligaremos quando precisar vir assinar os papéis." 

Se foi simples? Mas é claro que não, eu tenho um coração, mole demais eu diria, eu fiquei destruída de ter que dar aquela notícia a cada rosto que entrava na sala, eu chorei todas as noites durante aqueles meses de demissões, não apenas por ter demitido eles, mas porque eu odiava meu trabalho.

Era horrível acordar todas as manhãs, vestir aquelas roupas desconfortáveis, aqueles malditos sapatos e ser odiada por todos o tempo todo, não poder sorrir pra ninguém e o pior, não pitar mais, quanto mais eu me atolava no trabalho, menos eu pegava os meus pincéis, eu estava me perdendo e isso era desolador, eu nunca seria o que queria, e sempre seria odiada, era fria e profissional, como deveria ser e isso fazia de mim brilhante para os negócios e apagada para mim mesma.

A profissão me consumiu, eu sonhei tanta coisa e não realizei nada, minha carreira é digna de inveja, tenho uma gorda conta bancária, viajo para reuniões importantes em diversos lugares do mundo e me pagam por isso! Mas sou tão infeliz desse jeito...

Tudo que eu queria era pegar os meus pincéis e viajar o mundo, hoje viajo o mundo e não levo os pincéis, é deprimente.

Chego a minha mesa e o telefone toca, é uma amiga do colégio, nem sei ao certo como me encontrou, ela conta um pouco da sua vida e me faz a proposta mais inesperada do mundo. "Letícia, quer ser a artista de uma mostra na minha galeria? Lembro que você pintava muito bem e pensei, se não queria ceder alguns quadros seus para a exposição de novos talentos, que farei no próximo mês." Eu fiquei atônita, disse que há um tempo eu não pintava, só tinha alguns quadros guardados em meu escritório e ela disse que não havia problema, que eu deveria levar o que tivesse.

Pela primeira vez na vida cedi ao impulso sedutor de seguir os meus sonhos, marquei um horário e levei os quadros, ela os elogiou muito.

A mostra foi um sucesso, um professor da universidade comprou um deles e fez questão de conversar comigo, perguntou onde estudei, disse a ele que eu trabalhava em uma corretora da bolsa de valores, chocado ele me deu seu número e me ofereceu a oportunidade de fazer, mesmo que tardiamente a minha faculdade de arte.

Hoje estou na Espanha, estou de all star, uma camiseta e jeans sentada em uma praça de Madri com meu cavalete pintando uma fonte. Tenho 39 anos e sou professora da universidade, tenho um contrato com o ateliê da minha amiga, vendo meus quadros que estão ficando cada dia melhores, meu primeiro contracheque eu enviei para minha mãe com um bilhete escrito "Fique com este dinheiro, ganho com a minha profissão de vagabundo". Ela me ligou depois e pediu desculpas, meus ex colegas da bolsa, hoje percebem que eu tenho um coração afinal e admiram meus quadros, inclusive, já até vendi alguns para eles. 

Estou no topo do mundo, ainda não ganho o mesmo salário de quando era gerente, mas a alegria de fazer o que gosto cobre qualquer oferta de trabalho que já recebi.

Só posso dizer o quanto valeu a pena aquele breve impulso, como seguir meu sonho me completou e o quanto amo o que faço.

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